Thursday 20 September 2012

Aprender a Viajar

As pessoas com quem falo têm impressões completamente díspares do (pouco) que faço e do que penso sobre isso. Tenho pensado no assunto e concluí que não é tarde nem é cedo para martelar os pontos nalguns i's e esclarecer do que consta (a meu ver) isto de ser viajante.
 
Tal como conheço turistas que dizem que tomam banho demasiadas vezes por semana para se darem com viajantes, muitos que se chamam verdadeiros viajantes assumem uma dose estudada de desdém para com os turistas. Mas se sim, um turista e um viajante são duas coisas diferentes, claro que não há um que seja moralmente superior ao outro e a maior parte das pessoas é até um pouco dos dois. É a diferença que existe entre pintar a óleo ou aguarelas; é uma escolha que ninguém é obrigado a fazer.

Um turista é-o in situ, salta de um ponto para o outro, de avião ou cruzeiro, e vê as cidades e os monumentos que lhe interessam. Até porque os aeroportos, autocarros e hotéis são quase todos iguais, um bom turista volta a casa e não fala dessas coisas: fala é do Coliseu, do Louvre, ou do Pasha (dependendo da pessoa).

Esse bom turista não se interessa pelo comboio que nunca pára de Gabriel Garcia Marquez.

Um viajante rabisca na margem dessa passagem “quem me dera”.

Conrad queixa-se dos marinheiros que tão obcecados pelo mar que vogam, não saem do barco quando chegam ao porto. Isso é o conceito de viajante levado ao extremo. Para um viajante, o importante é aquilo que o toca, que aprende, vê ou sente, as pessoas que conhece pelo caminho.

Tropecei no deserto (terreno ironicamente tão fértil a epifanias) sobre um segredo que partilho agora.

Viajar não é para quem pode nem para quem quer: é para quem sabe. Sem regras nem hierarquias, radicalmente democrático e comunitário, é um pouco como um círculo de leitura anárquico. Viajar não é tempo, dinheiro, nem mesmo querer (lembro-me de Ulisses, e do Bilbo Baggins), não se trata de distâncias ou ausências, nem de terra virgem. Viajar é saber aproveitar o que se tem e o que nos rodeia. Isso são óptimas notícias para quem estiver interessado, porque toda a gente pode aprender.

Eu estou a tentar. Não o faço para me gabar ou coleccionar carimbos (até porque perco os passaportes que o governo não me tira). Não quero dar a volta ao Mundo. Gostava, isso sim, admito-o, de ir a todos os países cantados pelos Da Vinci: e, se o fizer, prometo até tatuar “CONQUISTADOR”. Viajo porque funciono melhor, penso melhor, durmo melhor em movimento. Não acho que isso me ponha de parte dos outros mortais.

Mas o meu comboio pára, e eu saio e sou turista como qualquer outro. De facto, escolho percursos que mo permitam ser. Não fujo, nem finjo fugir, dos sítios onde toda a gente vai. “Se toda a gente vai, é porque provavelmente vale a pena ir” - ensinou-me, com grande paciência, o ilustre Duarte Paúl e verdade mais pura, meus caros, não conheço. Com uma semana no Peru, fui ao Machu Picchu; na Turquia fui a Istambul e à Capadócia; da Polónia só conheço Cracóvia. Et cetera.

Quem conhece um sítio antes e depois das multidões o descobrirem, quer seja Moledo ou Pipa, conhece aquele misto de tristeza e ciúme de ver um tesouro partilhado; mas a verdade é que as multidões não aparecem ao calhas. Em Pipa, foram as praias, os golfinhos e os esforços do Sr. Vitor. Em Moledo, é aquele gosto duma grande Nortada nas trombas e dum mar bom para refrescar cervejas.

Mas há lugares no mundo (Paris, Jerusalém, Roma) que, com ou sem gente, são sempre especiais. E há sítios até que se tornam especiais pelas pessoas que os visitam (Corfu, diz-me quem por lá passou). Mas ninguém é obrigado a gostar de multidões e, uma vez por outra, queremos mesmo paz e sossego. Conheci um agente da GNR que, para celebrar a reforma, comprou bilhetes numa agência para um paraíso mediterrânico e acabou em Magalluf em plenas férias escolares.

“Quem está mal, muda-se”,- é uma expressão tão Portuguesa que até sabe a cabrito mas o senhor aguentou aquele inferno. Eu, por menos, já estendi este dedo que é mais comprido e decidi procurar outra coisa.

Acho que isso não faz de mim nem melhor nem pior pessoa. Conto pelos dedos duma mão os países em que saí do circuito e fico com dedos de sobra. Posso até arrepender-me: em quinze minutos, em Oualidia, ia morrendo de tédio e depois na viagem de carro para de lá sair ia morrendo mesmo. Outras vezes, divirto-me imenso.

Parte-se com outro espírito: é mais exigente, requer flexibilidade, há mais obstáculos; a comida é mais tradicional; as pessoas obrigam-nos a exercitar o que sabemos da língua local. E, pode-se sempre descobrir mesmo qualquer coisa que vale a pena guardar ou partilhar.

Por exemplo: depois de dois dias dum percurso difícil e sinceramente desconfortável, deparei-me com a estrada cortada por um rio transbordado. A aldeia mais próxima eram duas ruas inundadas e a pensão estava desocupada desde que as monções lhe tinham cortado o acesso, há meses. Nada para ver nem para fazer. Só lá passei a noite porque não tive escolha. O sol ainda a acordar e eu já estava a regressar pelo tal mal-amado trajecto. Quando menos o esperava, um momento mastercard (-priceless). Um monge que se dirigia à escola começou a conversar comigo e cobríamos, pelo caminho, as generalidades que 99% destas conversas envolvem (como te chamas, donde vens, para onde vais…). Quando estávamos mesmo a separar-nos,ele diz-me, num Inglês quebrado:

-Tu Portu-Get? Eu amo o Ef Cí Pô-to.

E, duma coisa dessas, um gajo não se esquece. Digam lá se não valeu a pena?


Dedicado com amor aos meus pais que me ensinaram a dar os primeiros passos e àqueles que tanto me ensinaram ao longo dos restantes quilómetros: Duarte, Miguel, Maria, as Tri-Gémeas, Tom, Usha. A alguns outros apoiantes, críticos, amigos e audiência, que inspiraram e contribuíram para este texto: à Inês e à Bárbara, ao Tomás, à Catarina. À Doutora Folhadela que impediu que o texto acabasse no lixo. E a uns poucos outros que, se os poupo de serem nomeados, sabem bem quem são.

Obrigado por terem lido, onde quer que estejam, quem quer que sejam.


2 comments:

  1. Muito bom! Aproveita isso e continua a escrever! Acho quem ganha mais aqui é mesmo quem lê os teus textos!

    Abraço

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